terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Little Ann


Lá estava ela, mais uma noite sem dormir, em sua cama fria, numa noite de chuva forte. Neste dia a incerteza bateu a sua porta convidando-a para um banquete de solidão, pobre ingenuidade, entregou-se de corpo e alma... Bebeu do cálice do arrependimento, provou o sabor agridoce da tristeza, saboreou a sobremesa dos pecados, adormeceu nos braços da ilusão.

Após tamanha comemoração, sozinha ela estava mais uma vez, deitada em sua cama, os lençóis remexidos, o travesseiro úmido de lágrimas, o coração perdido em um labirinto sem saída. Ela gritou por alguém, a voz já não existia, sua brancura a confundia, há quanto tempo estaria imersa na escuridão?

Num quarto escuro, quase sem mobília, sob a luz do luar avistava-se o bom e velho amigo inseparável. Aquele piano que há tempos soprava melodias de absoluta melancolia agora jazia em um canto qualquer. Lá fora a chuva inundava o jardim, e as rosas recolhiam-se em botões implorando misericórdia.

Aos seus olhos o mundo já não tinha cor, a languidez há muito se apossara de seu corpo. Não restava mais nada além de fantasmas que a assombravam... As fotos envelhecidas nas paredes lembravam-na de um passado distante que ela não pôde esquecer. Pensamentos de dias tortuosos dos quais ninguém a salvou. A conformidade trazia junto a depressão.

Vezes incontáveis os pulsos explodiram, as pobres bonecas já não mais lhe advertiam, nem as paredes pareciam se importar... Atordoada, ela deitava no chão olhando para um mundo só seu, uma fortaleza impenetrável, onde os renegados não podiam entrar, nem aqueles que se aproveitaram de sua pureza... O desejo se fazia presente, existia a necessidade de ultrapassar as barreiras.

Dia após dia ela tentou juntar os cacos de seus sentimentos, esforço em vão. No fundo de sua alma, em um canto escuro onde ninguém teria acesso, a compreensão fingia timidez. Não havia mais nada a fazer, ela sabia sem querer acreditar. Ás vezes proferia palavras de repúdio, quase sempre contra si mesma, porém o silêncio era seu maior aliado. Nada adiantava.

Sozinha mais uma vez, abandonada pela própria essência, ignorada pelos suspiros da sedução, jogada aos ventos de sua sorte inexistente...

[Autor desconhecido]