quinta-feira, 9 de outubro de 2008

...Mundo de Névoa...


Havia muito tempo que as conversas tinham cessado totalmente. O que restou foi apenas a tolerância, ou algo que poderia ser compreendido como "convivência"...

E como um vulcão prestes a expelir lava para todas as direções, os gritos preencheram o vazio que estivera ali até poucos segundos, era palpável... A tensão foi mais forte que a surpresa, não havia tempo para entrar em questões sem cabimento. As acusações foram mais significativas...

- Então agora eu fui notada?!

- Não me venha com o sarcasmo... Disse Ela para aqueles olhos que a encaravam sem acreditar no que via. A Outra envelhecera, haviam olheiras grotescas, uma cara desfigurada, uma paródia de dias atrás...

E num breve lampejo de memórias, Ela percebeu quanto tempo havia passado. Porém tudo não era mais substancial do que um lapso no tempo/espaço... Eram décadas, talvez séculos, mas a contagem de dias não era mais precisa...

A Outra olhava sem desviar, os olhos repletos de... ira. Tinha sido ignorada por tempo demais, porém nunca se esquecera. Os tempos eram outros, mas talvez seriam os mesmos, sem limites as idéias fluíam sem controle.

- Eu avisei-lhe mais de uma vez... Falou com escárnio a Outra.

- Não me venha com suas ironias, de nada serviram seus avisos, de que me adianta pensar neles agora? Não tenho mais que me prender a nada, esgotaram-se as desculpas de ambas as partes, por que não percebe?! As palavras sairam ferozes da boca d'Ela.

- Todos esses dias você simplesmente não quis perceber as mudanças, pois elas estavam na sua cara! Eu vi teu mundo girar mais de uma vez, vi teus demônios corroerem suas entranhas e você nada fazia! Desta vez a Outra parecia sentir... O que de fato era estranho, a Outra não sentia.

- Por favor, pare. Você não sabe o que passei, não faz idéia, fica apenas aí, no seu lugar sem mover-se para nada. Não me diga coisas que não podem ser ditas, apenas ouça... ouça, por favor... E lágrimas romperam da face transtornada d'Ela.

E a medida em que as lágrimas congelavam, elas se encaravam. Os olhos jamais eram desviados, seguiam um curso quase hipnótico. De fato havia passado muito tempo....

- Meu mundo caiu aos meus pés, virou poeira. E eu pude ver tudo o que me cercava, não havia nada bonito, nada em especial, nada apenas. Perdeu a essência, o brilho... Você não faz idéia do quanto eu desejei ser nada também. Não foi fácil vê-lo caindo diante do meu nariz sem poder fazer...

- Cale-se agora! Não permito que diga coisa tão absurda! Fere meus ouvidos suas mentiras infundadas. Foi sua culpa apenas, a única envolvida! Interrompeu a Outra.

Ela agora não escondia a frustração, de fato era a única realmente envolvida. Na verdade a única que poderia de fato modificar-se.... Porém perdera a chance, isso de nada importava agora.

- Acontece que agora eu vejo. Disse Ela, os olhos sombrios.

-Não, não vê. Provocou a Outra. - Está ocupada demais sentindo pena de si mesma, é deplorável o que tem feito simplesmente por tentar preencher o buraco que você mesma criou. Mas não lhe entregarei meu pesar, foi sua escolha, apenas foi cega o bastante para fechar-se para o mundo.

- Dane-se! Por que tem que esfregar em minha cara todos os meus atos impensados? Diverte-se com minha dor, não é? Ela tinha olhos coléricos.

- Mais uma vez não enxerga o suficiente, mais uma vez presa em suas próprias teias. Não me faça perder tempo... Disse categoricamente a Outra.

Virando-se, a Outra sumiu sem olhar para traz. Novamente o lugar cedeu à pressão do silêncio. Ela desabou sobre seus próprios joelhos, incrédula, atônita. Foi assim que a Névoa fez-se ao seu redor. E seu reflexo era a única coisa que existia no espelho vazio...